zona de fronteira

Quando me perguntavam o nome eu respondia Tchiago, meu nome é Tchiago, porque se dissesse Thiago - sem forjar a entonação local - as perguntas sobre aonde de onde pra onde você é viriam numa rapidez que não me interessava. Ali eu era só um dançante esquecido e sem estórias pra contar. Só um corpo repleto de extremidades espumosas, prontas a atacar – em riste. Naquele momento eu queria pronunciar a linguagem neutra dos verbos no infinitivo, eu não pretendia me conjugar. Então se me perguntavam o nome eu me esforçava em não mostrar sotaque estrangeiro. O mínimo de respostas, o máximo de sentidos, pensava eu, agia eu. Mas quanto aos dedos, estes sim: falavam com todas as bocas as línguas dos homens, os dedos pronunciavam mantras enquanto escorregavam suas línguas ao redor da carne alheia. E esses dedos tentavam ir mais fundo, tateavam rachaduras ou buracos ou fendas ou abismos em meio aos músculos de outrem. Verdade que a música regia os movimentos, mas era como se a mão se esquecesse de pensar, era como se a mente se esquecesse de alcançar qualquer lucidez além da sobriedade dos famintos. O DJ e sua ordenada batida ungiam-me de toda a rapidez perante o corpo por mim corrompido, o corpo do indivíduo cujos dedos em mim também trabalhavam. E além de fendas na carne ou abismos entre os membros, meus dedos também pesquisavam prolongamentos do corpo, percorriam toda a fronteira do outro sujeito, a fim de saber quem ele poderia ser e até onde chegaria, qual o seu contato com o mundo, qual a política de entrada de estrangeiros em seu território. Mas no meu, digo, no meu território todo corpo era bem vindo, desde que fadado ao desejo objetivo de me invadir em guerra, espada embainhada ou não, rifle pronto a gritar conquista. Queria que aquele corpo me invadisse em exército, cravasse fortemente uma bandeira em minha terra, mas cravasse de modo que qualquer dor fosse ultrapassada, de um jeito que o prazer em receber fosse maior que o medo de se entregar. E eu seria a sua pátria, sua terra corrompida e conquistada. E eu me entregava sem relutar, ou relutava apenas para fazer a conquista parecer mais valiosa do que de fato era. Então quando a língua em meu ouvido me perguntava o nome, quem respondia era a minha perna, a qual avançava para verificar se o soldado estava pronto para o ataque. E ia, a minha coxa, até sentir espetar a ponta da arma, e voltava então, ou permanecia, achava um ponto em que o toque da arma fazia cócegas sem ferir. O problema era que mais perguntas vinham, e eu já não sabia dizer nada além de meu nome Tchiago. A música até tentava me ajudar, pois de tão alta não nos deixava ouvir um ao outro, mas as perguntas vinham e eu não ia até as perguntas, eu dava meia-volta. Será impossível a comunicação tátil? Mas que insistência em palavras, mesmo quando o barulho impede qualquer idioma além do carnal. Então calar a boca se tornava um gesto de consolo, e eu lhe calava muito bem as bocas. As bocas e as curvas no entre-ossos. Ora, respostas pra onde e pra quê. Que pode um corpo fazer com uma resposta? Um corpo pede um outro corpo, e se bastam.


[th. barbalho]

2 comentários:

Alekiss disse...

Muito bom esse texto, parabéns!

prof.barbara.filosofia@hotmail.com disse...

analogias claras, bem longe do que é aquele outro estilo Th.